O repúdio de Pessoa ao discurso de Salazar proferido na entrega dos prémios literários do SPN - Pessoa´s rejection of Salazar's speech
Esta terceira fase da Ditadura, Senhor Presidente [Óscar Carmona], começou por afirmar-se no integralismo monárquico disfarçado de Estado Novo, continuou afirmando-se no integralismo, já menos disfarçado, do chamado Estado Corporativo, e acabou com afundar-se nos últimos arrancos do Prof. Salazar, e nomeadamente na segunda parte do Prefácio aos seus Discursos *, por integralmente integral, isto é, francamente inimigo de duas coisas – da dignidade do Homem e da liberdade do Espírito.
Com efeito, na citada segunda parte do citado Prefácio, parte essa de que o principal e essencial politico foi dito ou lido numa sessão pública, da entrega de Prémios, no Secretariado de Propaganda Nacional, diz-se aos escritores que têm eles que obedecer a certas directrizes. Até aqui a Ditadura não tinha tido o impudor de, renegando toda a verdadeira politica do espírito – isto é, o pôr o espírito acima da política** - vir intimar quem pensa a que pense pela cabeça do Estado, que a não tem, ou de vir intimar a quem trabalha a que trabalhe livremente como lhe mandam.
This third phase of the Dictatorship, Mr. President, began by asserting itself in monarchical integralism disguised as the New State, and continues by asserting itself in the so-called Corporative State integralism, though less disguised, and then asserts itself eventually, in Prof. Salazar's latest leaps forward, especially in the second half of the Preface to his Speeches, as integrally integral, that is to say, now unequivocally the enemy of two things--the dignity of Man and freedom of Expression.
In effect, in the afore-mentioned second half of the afore-mentioned Preface, the part in which the principal and essential political message was voiced or read out at a public gathering at the SPN [National Propaganda Secretariat] in which prizes were awarded, writers were told that they had to abide by certain directives. Hitherto the Dictatorship has not had the impudence, forsaking all true policy of spirit--that is to say, placing the spirit above politics--to intimate to those who think that they should think through the head of the government, which doesn't have one, and to intimate to those who work that they must now work freely as they are ordered.
* Nota 8 (do editor), página 476: “Salazar acabara de escrever o prefácio aos seus Discursos em 17/2/1935, cinco dias antes da entrega dos prémios, tendo aproveitado a ocasião para ler passagens do seu texto, ainda inédito. O período do prefácio a que Pessoa se refere, nesta e na carta anterior reza assim: ‘Os princípios morais e patrióticos que estão na base deste movimento reformador impõem à actividade mental e às produções da inteligência e sensibilidade dos Portugueses certas limitações, e supondo deverem mesmo traçar-lhes algumas directrizes’”.
** Nota 9 (do editor), pág. 476: “Assim, Pessoa parece rejeitar, por hipócrita, a chamada ‘política do espírito’ preconizada por António Ferro.”
PESSOA, Fernando, carta ao Presidente da República, [1935], in ZENITH, Richard (ed.), Obra Essencial de Fernando Pessoa. Cartas, Círculo de Leitores, 2007, pp. 433-434.