Fernando Pessoa: adepto do fascismo ou livre-pensador liberal?
"Apesar da expressão ‘livre-pensamento’ se ter desprestigiado durante a I República em Portugal, creio ser perfeitamente adequado o qualificativo livre-pensador aplicado a Fernando Pessoa ao longo de toda a vida adulta. Em primeiro lugar, no sentido mais amplo e correcto do termo, isto é, o de alguém que formou sempre as suas opiniões e posições independentemente da tradição, da autoridade, das crenças estabelecidas, dos preconceitos ou de qualquer instância comprometedora do livre exercício do pensamento. Mas creio que Pessoa foi talvez um livre-pensador num sentido que andou quase sempre colado ao outro em Portugal, em Inglaterra, em França e em muito outros países, ou seja, no sentido de alguém convicto de que o avanço da humanidade nos planos civilizacional, cultural e, inclusive, no plano espiritual implicaria, ou tinha como condição prévia, uma perda do poder de controlo sobre as consciências e sobre a vida pública por parte do cristianismo (em Portugal, por parte da Igreja Católica).
[...] a fidelidade que o liberal Fernando Pessoa manteve ao livre-pensamento da sua juventude a até a um certo radicalismo liberal no domínio das ideias deve contribuir para explicar por que é que as influências que sofreu de outras proveniências ao longo da sua vida – como, por exemplo, Odes aos ditadores Sidónio Pais e Primo de Rivera – não o conduziram fatalmente, nos anos 1920 e 1930, em direcção aos autoritarismo em voga, à idolatria do Estado, ao fascismo ou ao salazarismo – como parecia que lhe estava destinado e como aconteceu com outros nas suas condições no mesmo período.”
BARRETO, José, “Fernando Pessoa racionalista, livre-pensador e individualista: a influência liberal inglesa”, in A Arca de Pessoa (org. Steffen Dix e Jerónimo Pizarro), Lisboa, ICS, 2007, p. 121.
Na imagem: Fernando Pessoa interpretado por Rui Mário no filme “Poesia de Segunda Categoria”