Afinal, Fernando Pessoa, é D. Sebastião
O anúncio de Fernando Pessoa como D. Sebastião não é, de todo, um delírio forçado, mas uma ideia que emerge das próprias palavras do poeta. Um passagem de um ensaio assinado por Ana Maria Albuquerque Binet, dá-nos conta disso mesmo:
“A vontade de envolver a personagem de D. Sebastião nas
brumas de um mistério espesso é patente, como se pode ver no seguinte trecho,
um dos muitos fragmentos encontrados no espólio e ligados à figura do
Encoberto:
O que seja propriamente o
sebastianismo – hoje mais vigoroso que nunca, na assombrosa sociedade secreta
que o transmite, cada vez mais ocultamente de geração em geração, guardando
religiosamente o segredo do seu alto sentido simbólico e português, que pouco
tem que ver com D. Sebastião que se diz ter morrido em África, e muito com o D.
Sebastião que tem o número Kabalístico da Pátria Portuguesa – eis o que não é
talvez permitido desvendar [Obra Poética e
em Prosa III, 1986, pp. 654-655]
O tom e o vocabulário escolhidos, que sublinham voluntariamente
um soi disant segredo cabalístico, digno
de ser transformado num desses best-sellers que têm feito ultimamente a fortuna dos seus
imaginativos autores, apontam-nos para uma postura lúdica, que não é exclusiva,
bem entendido, do ‘alto sentido simbólico’ que Pessoa confere à personagem de
D. Sebastião. Noutros textos, Pessoa refere-se a uma Ordem do Encoberto, em que
D. Sebastião encarna simultaneamente a esperança, o símbolo, o Mestre, o Cristo
(ibid., pp. 660 e 693). Ele é
também o próprio Pessoa, como se sabe pelo texto, amplamente conhecido, que o
poeta anuncia a volta de D. Sebastião como tendo sido prevista por Bandarra em
1888, data do seu próprio nascimento, acrescentando que em 1888 se deu em Portugal ‘o acontecimento mais importante da vida nacional desde
as descobertas’ (Sobre Portugal,
1979, p. 183). Fascinante testemunho da megalomania dos tímidos...”
Ana Maria Albuquerque Binet, “A
obra de Fernando Pessoa – uma galáxia de ‘esoterismos’?”, in A Arca de
Pessoa (org. Steffen Dix e Jerónimo
Pizarro), Lisboa, ICS, 2007, pp. 176-177.
Na imagem: Fernando Pessoa
(interpretado por Rui Mário) no seu quarto. Cena do filme “Poesia de Segunda de
Segunda Categoria”.