Fernando Pessoa, o alquimista
“[...] o que se chama o caminho alquímico, o mais difícil e
o mais perfeito de todos, porque envolve uma transmutação da própria
personalidade que a prepara, sem grandes riscos, antes com defesas que os
outros caminhos não têm”.
FERNANDO PESSOA, Carta a Adolfo Casais Monteiro (13 de
Janeiro de 1935). Obra Poética e em Prosa II, 1986, pp. 344-345.
Como se sabe, a alquimia era, para Fernando Pessoa,
simultaneamente um “caminho iniciático”, uma “terapêutica psíquica” e uma
“metáfora da criação poética” (cf. Binet 2007, p. 183). Yvette Centeno faz uma
leitura da Mensagem à luz da alquimia
que não pudemos deixar de considerar.
Surge do nevoeiro o corpo da Mensagem. Brasão, Mar Português, O Encoberto –
ou fixação (conquista do território) dissolação (expansão marítima) sublimação
(anulado o corpo renasce a Fénix do espírito). A divisão e a interpretação que
nos sugere é de estrutura hermética, alquímica... (Centeno 1990, p. 29)
Partindo desta autora, Ana Maria Albuquerque Binet recorre ao
poema O Último Sortilégio, para lançar
sobre esta questão um foco assombrosamente luminoso e coerente:
O poema termina pela
descoberta do outro como um avatar do próprio eu, um alter-ego (‘E vê que ele mesmo era/A
Princesa que dormia’). Esta descoberta corresponde à do alquimista, que deve
alcançar, no fim do processo de transmutação, a revelação da identidade entre o
sujeito, ele próprio, e o objecto da sua busca. (Binet 2007, p. 183)
Voltando ao fio que aqui nos vem guiando, sem grandes
receios pensamos poder ir um pouco mais longe. Faminto de absoluto, almejando a
imortalidade e assumindo-se como um imperioso agente para o anúncio de um
império de ordem espiritual, o poeta vê a alquimia como uma via psicológica e
simbólica para uma transmutação da matéria. Processo que desemboca na
coincidência plena e absoluta entre sujeito (Messias/Poeta) com o seu objecto
(Quinto Império). Por outras palavras, se “anulado o corpo renasce a Fénix
do espírito”, é na mesma ordem espiritual
que, justamente, alma do poeta, poesia e Quinto Império se reencontram fundindo-se num só.
Bibliografia citada:
Ana Maria Albuquerque Binet, “A obra de Fernando Pessoa –
uma galáxia de ‘esoterismos’?”, in A Arca de Pessoa (org. Steffen Dix e Jerónimo Pizarro), Lisboa, ICS,
2007, pp. 182-183.
Yvette Centeno, O Pensamento Esotérico de Fernando Pessoa, Lisboa, Etc., 1990, p. 29).
Na imagem: fotograma do filme “Poesia de Segunda Categoria”.